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Teresina, Piauí, Brazil
Sou aquilo que me der na telha e que se assemelha ao que você bem entender, só não esqueça que o preço do meu apreço é arriscar...

domingo, 30 de março de 2008

Eu e Elis.


Divagações de Elis.

Ah! Como eu tenho me enganado!
Como tenho me matado
Por ter demais confiado
Nas evidências do amor

Como tenho andado certo
Como tenho andado errado
Por seu carinho inseguro
Por meu caminho deserto

Como tenho me encontrado
Como tenho descoberto
A sombra leve da morte
Passando sempre por perto
E o sentimento mais breve
Rola no ar e descreve

A eterna cicatriz
Mais uma vez
Mais de uma vez
Quase que fui feliz

A barra do amor é que ele é meio ermo
A barra da morte é que ela não tem meio-termo


(Meio Termo - Elis Regina)

sexta-feira, 21 de março de 2008

Um quê da Deusa.


Esperança

Custei um pouco a compreender o que estava vendo. Estava vendo um inseto pousado, verde, de pernas altas.

Era uma "esperança" verde, o que sempre me disseram que é de bom augúrio.

Depois a esperança começou a andar bem de leve sobre o colchão. Era verde-claro, com pernas que mantinham seu corpo em plano alto e solto, um plano tão quebradiço quanto as próprias pernas que eram feitas apenas da cor da casca. Dentro do fiapo das pernas não havia nada dentro: o lado de dentro de uma superfície tão rasa já é a outra própria superfície.

Parecia com um raso desenho que tivesse saído do papel e, verde, andasse. Mas andava, se sonâmbulo, determinado. Sonâmbulo: uma folha mínima de árvore que tivesse ganho a independência solitária dos que seguem o apagado traço de um destino.

Ela, a esperança, andava com uma determinação de quem copiasse um traço que era invisível para mim. Sem tremor ela andava. Seu mecanismo interior não era trêmulo, mas tinha o estremecimento regular do mais frágil relógio.

Como seria o amor entre duas esperanças? Verde e verde, e depois o mesmo verde, que, de repente, por vibração de verdes, se torna verde.

Amor predestinado pelo seu próprio mecanismo aéreo. Mas onde estariam nela as glândulas de seu destino, e as adrenalinas de seu seco e verde interior?

Pois era um ser oco, um enxerto de gravetos, simples atração eletiva de linhas verdes.

Eu?

Eu. Nós?

Nós. Nessa magra esperança de pernas altas, que caminharia sobre um seio sem nem sequer acordar o resto do corpo, nessa esperança que não pode ser oca, pois não existe linha oca, nessa esperança a energia atômica sem tragédia se encaminha em silêncio. Nós?

Nós.



Créditos: Clarice Lispector